31 de jan. de 2011

O ser humano e sua consciência

Todos assistimos ao grande suspense causado pela negociação do passe do jogador Ronaldinho Gaúcho. Ficou claro, pelo que a mídia veiculou, que mais foi um leilão. Quem desse mais, levava. Até os aspectos emocionais foram deixados de lado, pois, se eles prevalecessem, é claro que o Grêmio teria conseguido arrebatar o troféu. Mas o que prevaleceu foi o financeiro. Pagou mais, levou.

Isso nos remete ao mercado milionário que se tornou o esporte, seja ele em qualquer modalidade, mas principalmente o futebol. Os jogadores ganham somas astronômicas, que o trabalhador brasileiro jamais imaginaria ganhar em uma vida inteira de suor e cujo resultado mal dá para que consiga suprir suas necessidades primárias, que são as de comer e se abrigar. E os jogadores são arrebatados pelos clubes por cifras milionárias para que se tornem os ídolos da grande massa e proporcionem o grande espetáculo nas tardes e noites de jogos pelos campeonatos brasileiros. Quando deixarem de jogar, estarão com o lado financeiro garantido por toda a vida. A fama engrossou imensamente suas contas bancárias. Bem, vocês vão argumentar, eles merecem, são talentosos e a riqueza nada mais é do que uma consequência. O que farão com o dinheiro que ganharem? Não se sabe.

Mas queria refletir sobre um esportista que ganhou fama e muito dinheiro e que sabemos o que fez com tudo isso. Ele se caracteriza por um aspecto pouco comum a quem já gozou das glórias de ser o primeiro do mundo, assim como Ronaldinho Gaúcho. Falo de Guga, o tenista. Sim, o nosso Guga Küerten. E o aspecto ao qual me refiro é a sua humildade de caráter e a capacidade de manter um valor cada vez mais raro na sociedade atual, que é a família e a percepção das necessidades dos outros que o cercam. Ao contrário do que se observa em muitos desportistas que alcançaram fama e dinheiro, Guga jamais se envolveu em escândalos que maculassem sua índole. A família foi e continua sendo sua âncora, e o amparo dado por seu instituto a crianças com necessidades especiais nos remetem a um ser humano com um nível de consciência marcado socialmente pelas necessidades do OUTRO, e não centrada no EU.

Explico: o ser humano é um ser social e a satisfação de suas necessidades primárias, como a alimentação e o abrigo, são suas prioridades. Até aí, tem-se o sujeito com uma consciência “em-si”. Por viver em um grupo, a partir do momento que ele pode também usufruir das possibilidades máximas alcançadas pela humanidade, como a arte, a ciência, a política, a diversão, ele alcança outro nível de consciência, chamado “para-si”. É um estágio marcado socialmente, e por poder usufruir de tudo o que a sociedade na qual está inserido oferece, ou seja, por possuir fama e dinheiro, o ser humano pode estabelecer com seus semelhantes duas posturas: na primeira, ele pode se sentir como membro de uma sociedade, mas essa relação com o outro é centrada no eu. Ele se vale do instituído social para proveito próprio e fortalecimento da uma posição econômica que resultará na marcação e fortalecimento de sua posição frente ao grupo. Temos aí uma atividade mental individualista que está estruturada socialmente, mas que não prevê o outro, ou seja, ele tem, mas quem o cerca também tem? Pode-se pensar assim: se tenho acesso aos melhores tratamentos médicos, à boa educação, à diversão, meu próximo também os tem? Temos aqui aquelas pessoas egoístas, que quanto mais têm, mais querem ter.

Agora, observemos outra orientação que o sujeito pode seguir: pode acontecer também que ele, ao se apropriar do instituído social, ou seja, tenha fama e dinheiro, oriente a sua atividade para o grupo. Toda a sua ação é executada prevendo o outro, e, nesse estágio, há a necessidade de valores desenvolvidos pela interação social, como a coerção social, o pensamento conceptual, a inteligência, a cognição, o autocontrole, a volição, a intencionalidade, a lógica, a escrita. Dirigida dessa forma, a ação do indivíduo no meio social será fundada na reflexão e dirigida à solução dos problemas que afetam não só os seus interesses, mas os interesses da coletividade. Ele se sente parte do grupo e a manutenção ou mudança de uma determinada situação só será feita se resultar em benefícios para todos. Resumindo em outras palavras, ele pode pensar assim: se tenho a possibilidades de ajudar meu semelhante, ajudo, não espero acontecer.

Espero que consigam identificar em qual nível de consciência podemos enquadrar o nosso Guga. O pensamento do filósofo russo Mikhail Bakhtin fundamenta essa análise, e permite que a apliquemos a muitas outras pessoas, sejam elas próximas ou não de nós. Guga conseguiu fama e dinheiro com seu magnífico desempenho nas quadras de tênis. Mas não esqueceu sua origem e orientou sua atividade para diminuir o sofrimento e dar esperanças àqueles que ainda não podem, de uma forma ou de outra, ter todas as suas necessidades satisfeitas.

Esperemos que muitos dos nossos desportistas desenvolvam esse nível de consciência, pois as somas milionárias que ganham seriam suficientes para aliviar o sofrimento de muitos que os cercam e encaminhar outros mais que não tiveram a mesma chance.

Ronaldinho Gaúcho, Guga é um bom exemplo para ser seguido quando você se aposentar!

Por Josemeri Peruchi Mezari, professora mestre em Ciências da Linguagem.

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