17 de set. de 2009

Os nossos delírios de consumo

Já falei por aqui sobre livros que viram filmes. Normalmente, eu leio o livro e, tempos depois, algum diretor tem a idéia de transformar a história num roteiro para o cinema. Como já citei, muitas pessoas se decepcionam. Isso se explica pelo fato de que a imaginação do leitor é muito mais fértil do que os 120 minutos de um longa-metragem.

Não li “À Espera de um Milagre”. Encantei-me com o filme e, suponho, o livro deve ser muito melhor. Devo ter visto uns vários outros sem ter conferido a obra original primeiro. Há outros cuja adaptação para a telinha ainda não passou pelo meu senso crítico. “Anjos e Demônios” por enquanto está na lista apenas dos lidos.

Há alguns dias assisti à comédia “Os Delírios de Consumo de Becky Bloom”. Logo no início, já se percebe o porquê do título, afinal, a personagem tem um exagerado número de cartões de crédito, compra compulsivamente e, certamente, não para pra pensar se o objeto de desejo é realmente necessário. Depois de compras e mais compras, a jornalista está endividada, perde o emprego e, ironia do destino, acaba conseguindo uma vaga numa revista de economia que está falindo. Vira a “Moça da Echarpe Verde”, sendo essa peça um de seus delírios de consumo, comprada depois de uma conversa com o manequim.



A trama é engraçada e, como toda comédia, adquire um teor dramático a certa altura. Rebecca dá conselhos econômicos para as pessoas quando sequer consegue controlar seu impulso. Ela suspira na frente das vitrines e encontra necessidades que se transformam em desculpas para comprar e comprar e passar seu mágico cartão de plástico pela caixa registradora. O final, eu não conto. Não sou estraga-prazer. Mesmo que a trama tenha ares de “esse é mais um daqueles besteiróis americanos em que tudo dá certo no final”, dias depois, folheando a edição de setembro da Marie Claire, refleti sobre algumas coisas.

Bom, eu acredito que nunca fui uma compradora compulsiva. Claro, sempre tem aquelas comprinhas supérfluas, que fazem parte do cotidiano da mulher, porém, nunca cheguei chorando em casa por arrependimento de uma “compra sem sentido”.

Pensando cá com meus botões e folheando a revista, fiquei pasma ao me dar conta de quantos anúncios estampavam as páginas da publicação. E anúncios que de fracos não têm nada. Abrindo a revista, Elsève, de Lóreal Paris, com o lançamento Geléia Real, que promete 10 vezes mais nutrição aos seus cabelos. A garota-propaganda? Nada mais nada menos que a maravilhosa Penélope Cruz e seu lindo e encantador jeitinho espanhol. Logo em seguida, Juliana Paes e Cléo Pires em campanha para a Arezzo em anúncio que nada diz, somente mostra as duas beldades com sandálias maravilhosas. Em seguida, ao lado do índice, Ellen Roche, sexy em peça para República Mix Jeans. Até chegar à primeira grande reportagem, há um anúncio de óculos Roberto Cavalli, de uma página, Natura Aquarela, duas páginas, TAM, duas páginas, Linha de Maquiagem Intense O Boticário, duas páginas, Intimus Gel, uma página, Sundown Facial, duas páginas, Knorr Meu Arroz, com Ana Maria Braga, duas páginas, óculos Doce & Gabbana, uma página, Nívea Expert Lift, duas páginas, Coloração Advance Techniques Avon, com Ana Paula Arósio, duas páginas, Gucci, uma página, Cavalera, duas páginas, Coloração Imédia Excellence Creme Lóreal, com Luiza Brunet (leia-se Photoshop), duas páginas. Ufa! Dentre esses anúncios, há apenas o índice, aquele expediente que ocupa uma página inteira e ninguém lê, carta do editor e cartas do mês. A primeira matéria está na página 34. Ou seja, são 30 páginas só de anúncios com mulheres lindas e produtos que prometem resultados maravilhosos para pele, cabelo, make, look e até para sua cozinha.



(A assinatura de uma revista representa o que? 2% do montante se comparado ao valor pago pelos anunciantes?)

E como os anúncios são minuciosamente planejados e repensados exatamente para causar aquele desejo de necessidade, é preciso muito cuidado e cautela para não fechar a revista e correr pra loja de cosméticos mais próxima ou para a boutique que vende aqueles óculos divinos.

A sociedade vive de aparências. As pessoas acreditam nisso e empenham seu salário (e sua reputação, por que não dizer? E o SPC?) a fim de se sentirem alinhadas com os padrões impostos. E é assim que vão se formando as diversas Becky Bloom por aí afora, com guarda-roupas cheios de peças usadas somente uma vez.



Sem falar em outro detalhe imprescindível: do que adianta um rótulo bonito se o conteúdo não presta?

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